Proposta de Diretiva sobre Direito de Autor: Mudanças no Ensino

A Comissão Europeia publicou a proposta para uma diretiva sobre Direito de Autor no Mercado Único Digital, que introduz modificações preocupantes à exceção para fins de ensino.

A Associação Ensino Livre decidiu fazer uma análise da proposta, no que respeita a algumas áreas que nos preocupam. Apresentamos de seguida as nossas observações relativamente à exceção para fins de ensino. Tal análise não teria sido possível sem o excelente trabalho que a Creative Commons e a Communia têm realizado e publicado e cuja análise detalhada, no que respeita à exceção para fins de ensino, pode ser lida aqui (em Inglês). Refira-se que esta diretiva não anula a directiva anterior (InfoSoc), mas passa a coexistir com ela.

A proposta para a exceção para fins de ensino tem a seguinte formulação:

Artigo 4.º
Utilização de obras e outro material protegido em atividades pedagógicas transnacionais e digitais

1. Os Estados-Membros devem prever uma exceção ou limitação aos direitos previstos nos artigos 2.º e 3.º da Diretiva 2001/29/CE, no artigo 5.º, alínea a), e no artigo 7º, n.º 1, da Diretiva 96/9/CE, no artigo 4.º, n.º 1, da Diretiva 2009/24/CE e no artigo 11.º, n.º 1, da presente diretiva, a fim de permitir a utilização digital de obras e outro material protegido para fins exclusivos de ilustração didática, na medida justificada pelo objetivo não comercial prosseguido, desde que a utilização:

a) Ocorra nas instalações de um estabelecimento de ensino através de uma rede eletrónica segura acessível apenas pelos alunos, estudantes e pessoal docente do estabelecimento de ensino;

b) Seja acompanhada da indicação da fonte, incluindo o nome do autor, exceto quando tal se revele impossível.

2. Os Estados-Membros podem determinar que a exceção adotada nos termos do n.º 1 não se aplica no geral ou no que se refere a determinados tipos de obras ou outro material protegido, na medida em que as licenças adequadas que autorizam os atos descritos no n.º 1 estejam facilmente disponíveis no mercado.

Os Estados-Membros que recorram ao disposto no primeiro parágrafo devem tomar as medidas necessárias para assegurar a disponibilidade e a visibilidade adequadas das licenças que autorizam os atos descritos no n.º 1 no que diz respeito a estabelecimentos de ensino.

3. A utilização de obras e outro material protegido para fins exclusivos de ilustração didática através de redes eletrónicas seguras, em conformidade com as disposições nacionais adotadas nos termos do presente artigo, deve ser considerada como ocorrendo exclusivamente no Estado-Membro onde o estabelecimento de ensino se encontra estabelecido.

4. Os Estados-Membros podem prever uma compensação equitativa para o prejuízo sofrido pelos titulares de direitos devido à utilização das suas obras ou de outro material protegido nos termos do n.º 1.

A proposta contém vários problemas que limitam o número de beneficiários da exceção para fins de ensino, assim como limitam a utilização da exceção em múltiplas situações educativas.

Especificamente, observamos que:

  • A exceção é obrigatória, isto é, a exceção tem de ser implementada por todos os Estados-Membros. No entanto, esta exceção cobre apenas a utilização digital (ponto 1 do artigo).
  • Para beneficiar desta exceção, é necessário cumprir uma de duas condições: a utilização tem de ocorrer (a)dentro das instalações de um estabelecimento de ensino (alínea a) do ponto 1), deixando de fora entidades como Museus (que têm serviço educativo), bibliotecas (que têm diversas ofertas e eventos educativos), empresas que prestem formação aos seus funcionários, espaços multiusos, que albergam conferências, workshops, encontros académicos, entre outros ou a utilização tem de ocorrer (b)através de uma rede eletrónica segura acessível apenas pelos alunos, estudantes e pessoal docente do estabelecimento de ensino (alínea b) do ponto 1), o que significa que para beneficiar da exceção, alunos e professores não podem utilizar, por exemplo, redes sociais, plataformas de blogging ou outras plataformas públicas, perdendo os alunos potenciais contactos e audiência para os seus trabalhos. Os professores que usam plataformas públicas para colocar os materiais das aulas, também não poderão beneficiar desta exceção. Programas de mestrado e doutoramento, que resultam de consórcios entre diferentes universidades, mas em que os alunos não pertencem a todos os estabelecimentos de ensino parecem não poder beneficiar da exceção. Particularmente preocupante é o facto desta condição impedir a utilização da exceção no caso da partilha de recursos digitais em acesso aberto, assim como impedir os utilizadores dos massive open online courses e de outros cursos de ensino à distância de beneficiarem da exceção;
  • Apesar da Comissão Europeia determinar que a exceção para fins de ensino é obrigatória, permite que os Estados-Membros decidam por um sistema de licenças (ponto 2), no todo ou em parte, que, na prática, elimina a própria exceção. Este ponto é particularmente preocupante depois do falhanço, em 2013, da iniciativa europeia Licenses for Europe, do qual se conclui que um sistema de licenças não é uma solução que consiga substituir as exceções ao direito de autor. De referir que a determinação por um sistema de licenças para fins de ensino é, segundo esta proposta, da exclusiva responsabilidade do Estado-Membro. Um sistema deste tipo implicaria custos, que muitos estabelecimentos de ensino primário, secundário, vocacional e superior não poderiam comportar;
  • Independentemente dos Estados-Membros decidirem ou não por um sistema de licenças, a Comissão Europeia permite que os Estados-Membros possam escolher prever uma compensação equitativa para o prejuízo sofrido pelos titulares de direitos(ponto 4), ou seja, a Comissão passa a permitir que os Estados-Membros implementem uma taxa para o ensino à semelhança da taxa da cópia privada, que mais uma vez vai acrescentar custos à educação, que a maioria das instituições de ensino portuguesas não pode comportar. Recorde-se que, recentemente em Portugal, a #PL118 obteve enorme contestação por parte dos cidadãos, tendo sido promulgada mesmo contra a vontade do anterior Presidente da República.

A proposta de uma nova diretiva sobre Direito de Autor foi esperada com grande antecipação, em consequência da percepção pública de uma vontade da Comissão de modernizar a diretiva anterior, quer para harmonizar as exceções (que variam de Estado-Membro para Estado-Membro), quer para adaptar as referidas exceções à sociedade do séc. XXI.

É com uma enorme desilusão que a Associação Ensino Livre verifica que a exceção para fins de ensino não foi harmonizada – a implementação da exceção pela Estonia teria sido um bom ponto de partida -, continuando a ter os Estados-Membros diferentes implementações, que aumentam a incerteza naquilo que professores e alunos, que trabalham com instituições de outros países europeus, podem fazer.

Lamentamos profundamente que a Comissão tenha decidido discriminar a utilização digital da utilização analógica, que não faz sentido nos dias de hoje em que estas duas utilizações se entrecruzam constantemente em todos os aspetos da vida dos utilizadores, incluindo no ensino, sendo particularmente preocupantes as limitações impostas ao acesso aberto na educação. A possibilidade dos Estados-Membros poderem substituir a exceção por um sistema de licenças e/ou criar uma taxa para o ensino irá sobrecarregar ainda mais as instituições educativas, sendo que muitas não poderão pagar tais custos.

Em vez de uma exceção que alargue o que professores e alunos podem fazer, aproveitando o potencial das novas tecnologias, a Comissão Europeia propõe uma diretiva que diminui as utilizações para fins de ensino.

A Associação Ensino Livre apela a todos os agentes educativos, estabelecimentos de ensino primário, secundário, vocacional e superior, museus, bibliotecas, associações profissionais, associações de pais, e outros espaços de formação formal e não formal, que contactem os deputados do Parlamento Europeu para lhes dar conta das suas preocupações, uma vez que esta proposta terá de ser aprovada pelo Parlamento Europeu.

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