No seguimento da proposta da Comissão Europeia para uma nova diretiva sobre direito de autor, a Associação Ensino Livre publicou e vai continuar a publicar alguns posts sobre os pontos mais preocupantes da proposta. Já demos conta das mudanças no Ensino e urge agora olhar para uma nova alteração.
A Comissão Europeia pretende criar uma nova exceção ao direito de autor para permitir a prospeção de texto e dados (Text and Data Mining). É com alguma surpresa que a AEL verifica que a Comissão acha necessário abrir uma exceção para esta ação. A prospeção de texto e dados refere-se ao processo de “ler” enormes quantidades de texto ou dados, através de uma máquina (por exemplo, um computador), extrair informação e encontrar padrões e tendências, que nos permitam tirar conclusões. É certo que é uma leitura realizada através do computador, muitas vezes denominada leitura à distância (Distant Reading, conceito cunhado por Franco Moretti), mas que não deixa de ser leitura, pelo que seria expetável que qualquer utilizador que tivesse acesso legal à obra pudesse ler essa mesma obra como bem entendesse. Infelizmente, não parece ser esse o entendimento da Comissão.
Independentemente deste entendimento e tendo em conta a enorme quantidade de restrições que o nosso direito de autor impõe aos utilizadores, a abertura de uma nova exceção deveria ser sempre encarada como um aspeto positivo, no entanto a forma como a Comissão desenhou esta exceção é uma desilusão.
A proposta para a exceção para fins de prospeção de texto e dados tem a seguinte formulação:
Artigo 3.º
Prospeção de textos e dados
1.Os Estados-Membros preveem uma exceção aos direitos previstos no artigo 2.º da Diretiva 2001/29/CE, no artigo 5.º, alínea a), e no artigo 7.º, n.º 1, da Diretiva 96/9/CE e no artigo 11.º, n.º 1, da presente diretiva no que se refere às reproduções e extrações efetuadas por organismos de investigação para a realização de prospeção de textos e dados de obras ou outro material protegido a que tenham acesso lícito para efeitos de investigação científica.
2.As disposições contratuais contrária à exceção prevista no n.º 1 não são aplicáveis.
3.Os titulares de direitos devem ser autorizados a aplicar medidas para garantir a segurança e a integridade das redes e bases de dados em que as obras ou outro material protegido são acolhidos. As medidas não devem exceder o necessário para alcançar esse objetivo.
4.Os Estados-Membros devem incentivar os titulares de direitos e os organismos de investigação a definir melhores práticas previamente acordadas no âmbito da aplicação das medidas a que se refere o n.º 3.
Esta nova exceção ao direito de autor é uma exceção obrigatória e que não pode ser eliminada através de contrato, o que são dois pontos positivos. No entanto, encontramos outros problemas, que na prática eliminam a exceção que a Comissão pretende criar.
Em primeiro lugar, só os organismos de investigação é que podem fazer uso desta exceção. A proposta define organismo de investigação como
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:
(1)«Organismo de investigação», uma universidade, um instituto de investigação ou qualquer outro organismo cujo principal objetivo seja a realização de investigação científica ou a realização de investigação científica e prestação de serviços de ensino:
a) sem fins lucrativos ou por reinvestir a totalidade dos lucros na investigação científica; ou
b) em conformidade com uma missão de interesse público reconhecida por um Estado-Membro;
de modo que o acesso aos resultados gerados pela investigação científica não possam ser apreciados em condições preferenciais por uma empresa que exerça uma influência decisiva sobre esse organismo;
Isto significa que as instituições de património cultural, jornalistas, cidadãos, artistas, câmaras municipais, setor privado, entre outros, não poderão fazer uso desta exceção. A Communia chama ainda a atenção para a falta de clareza no que concerne às startups que precisem de fazer prospeção de texto e dados num corpus, que não está disponível para licenciamento, como a Internet ou subconjuntos desta “By extension, it is unclear how companies like data startups would be able to operate if they wish to conduct text and data mining on a corpus that is not available for licensing—for example, the internet (or large subsets thereof).”
O segundo problema desta proposta diz respeito ao facto da Comissão permitir a prospeção de texto e dados apenas para fins de investigação científica, o que limita o impacto que a investigação possa ter no mundo real.
No entanto, o problema mais grave nesta proposta é o facto da Comissão permitir que os titulares dos direitos possam colocar medidas para garantir a segurança e a integridade das redes e bases de dados em que as obras ou outro material protegido são acolhidos.
Isto significa que os titulares dos direitos podem colocar DRM nos textos e dados, impedindo assim os investigadores de usarem esta exceção. Recorde-se que em Portugal, bem como noutros países europeus, é proibido neutralizar o DRM, mesmo para fazer um uso legal.
A secção de comentários de um post de um investigador impedido de realizar o seu trabalho por um editor de publicações científicas mostra bem que o último ponto do artigo proposto pela Comissão não será suficiente para garantir a prospeção de texto e dados pelos investigadores: os editores continuam a insistir que os investigadores podem usar as APIs. Ora, estes mecanismos não só são insuficientes, como darão apenas a informação que os editores quiserem permitir, condicionando a investigação.
Se de facto é necessária uma exceção para “ler à distância” uma obra a que legalmente se tem acesso, então a proposta deve ser alterada para permitir que essa exceção possa ser usada por qualquer utilizador, para qualquer fim e que esta não possa ser eliminada através de DRM.
A Associação Ensino Livre apela a todos os centros de investigação, estabelecimentos de ensino, museus, bibliotecas, startups, câmaras municipais, jornalistas e cidadãos em geral, que contactem os deputados do Parlamento Europeu para lhes dar conta das suas preocupações, uma vez que esta proposta terá de ser aprovada pelo Parlamento Europeu.
One thought on “Proposta de Diretiva sobre Direito de Autor: Prospeção de Texto e Dados #TDM #Research #Startups”