(Editado para uniformizar o texto segundo o AO)
Em Maio de 2011, a Associação Ensino Livre esteve na apresentação da Proposta de Lei da Cópia Privada, pela então Ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, que ocorreu na Sociedade Portuguesa de Autores e onde rebatemos os argumentos que foram dados para a criação de uma lei que pretendia taxar mais equipamentos digitais.
Desde então, houve outras tentativas de passar uma lei que aumentasse a taxa paga pelos consumidores e a AEL esteve sempre presente, quer através de audições no Parlamento, quer através do envio de pareceres, que demonstram que Portugal não deve ter uma taxa da cópia privada.
Recentemente, o gabinete do Sr. Secretário de Estado da Cultura fez saber que desenhou um anteprojeto de lei, que irá aumentar a taxa da cópia privada. A AEL enviou um parecer e solicitou que o anteprojeto fosse tornado público, para que os cidadãos pudessem ter acesso ao documento.
A resposta que obtivemos do gabinete do Sr. Secretário de Estado da Cultura, que é igual à que foi enviada ao autor do Ouve-se [1], não respondeu às nossas preocupações pelo que, ontem, a AEL voltou a enviar um email reiterando o mesmo pedido e pedindo informação, com base quer na diretiva europeia que regula a cópia privada, quer a lei Portuguesa.
É esse email que reproduzimos aqui. Assim que a AEL obtiver resposta, dará aqui conta.
[1] “Ouve-se – Música, Indústria e Tendências” acessível em http://www.ouve-se.com/2014/08/resposta-secretario-estado-cultura-pl118/
Exma. Senhora,
Depois de estudar com cuidado o seu email ao nosso pedido para tornar pública a proposta de lei sobre a cópia privada, verificamos que o mesmo não responde às nossas questões.
Assim, vimos reiterar o nosso pedido e especificar, se nos permitir, os pontos que ainda não foram respondidos, nem pelo gabinete do Sr. Secretário de Estado da Cultura, nem pela informação veiculada pela Comunicação Social.
De facto, a Diretiva n.º 2001/29/CE, do Parlamento e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, estipula que os Estados-Membros possam escolher permitir aos consumidores a realização de cópias privadas.
Tal como refere no seu email e tal como referimos anteriormente, a cópia privada é uma exceção ao direito exclusivo do autor, configurando uma diminuição do direito e, portanto, um possível prejuízo.
Mas da mesma forma que a diretiva referida permite aos Estados Membros decidir da existência da cópia privada, também indica os critérios para chegar à compensação a pagar aos titulares de direitos.
Depois de analisar, quer a diretiva europeia, quer a lei portuguesa, vimos solicitar que nos seja dada a seguinte informação:
1. Qual é o valor do prejuízo possível da cópia privada a que chegou o gabinete do Sr. Secretário de Estado da Cultura e como é que se chegou a esse valor.
Justificação: O ponto 35 das considerações na Diretiva n.º 2001/29/CE, do Parlamento e do Conselho, de 22 de Maio de 2001 diz:
“Na determinação da forma, das modalidades e do possível nível dessa compensação equitativa, devem ser tidas em conta as circunstâncias específicas a cada caso. Aquando da avaliação dessas circunstâncias, o principal critério será o possível prejuízo resultante do ato em questão para os titulares de direitos”.
A informação passada na comunicação social menciona apenas o valor das taxas, sem referir o valor do possível prejuízo, nem como se chegou até esse valor.
A AGECOP, entidade criada pelo Estado para gerir a taxa da cópia privada, tem defendido nos últimos anos que este prejuízo surge porque, afirma, se não houvesse cópia privada em Portugal, os consumidores comprariam 2, 3 ou 4 vezes a mesma obra.
Ora, este argumento é completamente irrazoável: nenhum consumidor compraria 2, 3 ou 4 CD iguais, nem nenhum consumidor compraria 2, 3 ou 4 DVD/Blu-Ray iguais, nem nenhum consumidor compraria 2, 3 ou 4 vezes o mesmo livro.
No caso das obras digitais sem suporte físico (as distribuidoras acordam com os titulares uma licença), este argumento nem sequer é válido de acordo com a diretiva, que estipula no ponto 35 das considerações que não podem ser objeto de um pagamento adicional:
“Nos casos em que os titulares dos direitos já tenham recebido pagamento sob qualquer forma, por exemplo como parte de uma taxa de licença, não dará necessariamente lugar a qualquer pagamento específico ou separado.”
2. Quais foram as alterações feitas ao Art. 75ª do Código de Direito de Autor e Direitos Conexos Português (CDADC), especificamente no que respeita às condições impostas pela lei ao cidadão sobre a realização da cópia privada.
Justificação: O CDADC no seu Art.75º Pontos 2. a) e 4. apenas permite a cópia privada se desse ato não decorrerem prejuízos económicos.
Isto é, a cópia privada só pode ser realizada se o for sem fins comerciais diretos ou indiretos (no caso da reprodução em papel) – ponto 2 a) do art. 75º – e sem atingir a exploração económica da obra, nem prejudicar os interesses dos autores (em todos os casos) – ponto 4 do art. 75º.
O que está de acordo com a diretiva europeia citada, uma vez que no ponto 35 das considerações é dito ainda que:
“Em certas situações em que o prejuízo para o titular do direito seja mínimo, não há lugar a obrigação de pagamento.”
De facto, se a lei portuguesa apenas permite a cópia privada, quando esta não representa um prejuízo económico, então concluí-se que o prejuízo decorrente da diminuição do direito é mínimo e, portanto, não pode haver lugar a compensação.
3. Quais foram as alterações feitas ao art. 218º do CDADC, especificamente no que respeita à neutralização das medidas de carácter tecnológico para a realização da cópia privada.
Justificação: A diretiva europeia citada indica, no ponto 35 das considerações, que:
“O nível da compensação equitativa deverá ter devidamente em conta o grau de utilização das medidas de carácter tecnológico destinadas à protecção referidas na presente directiva.”
A grande maioria das obras digitais compradas pelos cidadãos portugueses tem estas medidas, como demonstrámos no parecer que enviámos anteriormente. O art. 218º do CDADC proíbe a neutralização destas medidas, mesmo para realizar uma cópia privada.
Por outro lado, o ponto 1 do art. 221º do CDADC estipula que os titulares de direitos devem “proceder ao depósito legal, junto da Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC), dos meios que permitam beneficiar das formas de utilização legalmente permitidas.”
Ora, a IGAC não tem estes meios depositados, como é do conhecimento do gabinete do Sr. Secretário de Estado da Cultura. E dificilmente será possível cumprir este ponto porque os titulares de direitos não têm acesso aos meios que permitem desbloquear tais medidas.
Autores e editoras compram ou autorizam a introdução destas medidas nas suas obras a entidades que fabricam estas medidas, como a Adobe, ou autorizam a distribuição em lojas como a iTunes ou Amazon, que têm as suas próprias medidas tecnológicas, que atuam como cadeados que impedem as utilizações livres, mas nunca recebem as chaves que abrem esses cadeados.
Nenhuma destas empresas (Adobe, Apple, Amazon) dá ou vende essas chaves aos titulares, retirando na prática o controlo da obra ao autor.
Mesmo que fosse possível convencer as empresas que produzem as medidas tecnológicas a entregar as chaves à IGAC (seria preciso alterar a lei), não é razoável assumir, nem seria justo obrigar o cidadão a ir à IGAC sempre que quisesse fazer uma cópia privada, sempre que quisesse usar um excerto de uma obra numa aula ou na sua investigação científica.
Se algum dos pontos que questionamos não estiver suficientemente claro, reiteramos a nossa total disponibilidade para uma reunião ou qualquer esclarecimento adicional.
Gratos pelo seu tempo,
Os nossos melhores cumprimentos,
Paula Simoes
Direção
Associação Ensino Livre http://ensinolivre.pt/